Eu
naquela manhã de sábado havia decidido que iria arrumar a bagunça instaurada na
minha casa. Havia algum tempo que não me dedicava à função e decididamente tudo
estava uma zona. Comecei o dia tomando café da manhã e deliberei que começaria
a faxina pela área da frente. Enquanto jogava água no chão empoeirado você
bateu palmas.
Seria
mentira se eu dissesse que com certeza iria atendê-lo. Apesar de ter acordado
com um bom humor tão raro naqueles dias eu ainda tinha o péssimo hábito de ignorar
visitantes não anunciados. Mas eu estava na área e você já havia me visto, não
vi outra solução se não atende -lo.
Era
uma manhã fresca como aquelas que só se tem após uma noite chuvosa. No portão
você se apresentou com um sorriso misterioso de quem tinha coisas interessantes
à dizer. Bem vestido, bem alinhado e com um perfume gostoso. Inicialmente pensei
que você fosse de alguma religião e estivesse ali para me converter. Eu disse:
-
Bom dia - o que refletia meu bom humor raro - e em que posso lhe ajudar?
Mesmo
depois de todo esse tempo eu ainda não consigo dizer ao certo sobre o que se
tratava a sua visita. A medida que seus lábios de movimentavam e seu timbre
emitia longas frases com uma dicção impecável eu me perdia em pensamentos. Não consigo
me lembrar de nada que você me disse aquele dia, mas sei que a sensação de
maravilhada me acompanhou.
Em
um determinado ponto me veio uma vontade grande de te convidar para entrar. Não
fazia o menor sentido aquele convite e eu mesma cheguei à essa conclusão
enquanto pensava. A casa estava uma bagunça, eu acabara de te conhecer e nada
daquilo era coerente e desviei o olhar como quem espanta um pensamento. Quando te
olhei de volta você estava me encarando e perguntou:
-
O que você ia dizer Angélica?
Enquanto
reviro essa história na minha cabeça por várias e várias vezes acabo perdendo
detalhes, contextos e lugares, mas a sua expressão me olhando naquele exato
momento eu consigo ver. Era como se você estivesse ouvido meus pensamentos, era
como se eu tivesse pensado tão alto que você havia escutado. Eu acho
sinceramente que você havia me escutado. Você continuou:
-
Pode falar.
-
Melhor não – eu disse isso pois já havia chegado à conclusão de que por mais incrÃvel
que aquela visita estivesse sendo eu não podia te chamar para entrar. Tudo
estava tão bagunçado, tão sujo, tão desorganizado.
-
Sério, você pode falar. – você insistiu.
-
Você quer entrar? – sua expressão mudou nesse momento, eu não consegui
decifrar, algo entre reflexivo, surpreso, talvez tentado?
-
Entrar? - você perguntou meio que refletindo em voz alta.
-
Entrar - confirmei ainda sem entender porque diabos eu estava convidando esse
estranho pra entrar se estava tudo uma bagunça.
Você
desconversou e disse que tinha que ir, estava tarde e você tinha outras portas
para visitar. Eu insisti:
-
Tem certeza? Fiz café. - ainda não sei porque insisti aquele dia. Eu realmente
gostaria que você entrasse, mas não daquele jeito, não naquele momento, quem
sabe mais tarde, depois que a faxina estivesse concluÃda.
Você
por 1 segundo quase que pensou a respeito, eu consegui ver o pensamento sendo
formado, o impasse e a decisão.
-
Não posso, quem sabe outro dia? - você disse.
Você
disse quem sabe outro dia e eu pensei que outro dia poderia ser uma boa, mas
outro dia era um abstrato na imensidão das minhas expectativas. Acho que você
percebeu esse pensamento na minha cabeça e não dá para saber o que isso te
causou.
-
Quem sabe outro dia - disse eu.
DaÃ
você se foi.
Angélica Justino
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